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Transverberação do coração de Santa Teresa de Ávila


No dia 26 de agosto, o Carmelo teresiano comemora uma das graças místicas recebida por Teresa na oração, que teve um forte impacto na espiritualidade e na apreensão do amor de Deus. Teresa não a refere com estas palavras, que apenas surgem quando, em 1726, foi instituída a festa litúrgica deste acontecimento. A tradição carmelita começou por evocar em Espanha a mercê ou gracia del dardo, com base nas palavras usadas por Teresa na primeira descrição que faz desta experiência e dos seus efeitos (Vida, 29, 13‑14).

«Aprouve ao Senhor favorecer-me algumas vezes com esta visão: ao meu lado esquerdo, junto a mim, via um anjo em forma corporal... era pequeno, muito bonito, e de um rosto tão corado que parecia dos anjos mais sublimes, que parecem abrasar-se totalmente… Via-lhe nas mãos um dardo de oiro comprido, que me parecia ter na ponta de ferro um pouco de fogo. Dava a impressão que, algumas vezes, mo metia pelo coração até às entranhas…deixando-me toda abrasada num grande amor de Deus. Isso causava-me tamanha dor que me provocava os tais gemidos de que falei; por sua vez, essa dor imensa causava uma suavidade tão intensa que não há desejo nenhum de a tirar, pois a alma já não se contenta senão com Deus.»

A narração da Vida é efusiva e inflamada, mas ainda pouco segura, por ter sido escrita num período ainda próximo das primeiras experiências, que ocorreram em 1560. O corpo do anjo,o gesto com o dardo,a dor… integram-se numa visão imaginária, numa realidade espiritual, e não material e física. Logo a seguir, diz que «esta dor não é corporal mas espiritual, embora o corpo não deixe de participar bastante nela». Não terá sido uma experiência espiritual única, mas esta ferida foi-se repetindo, às vezes durante dias, ao longo do processo de amor crescente para com Deus, que Teresa viveu até à experiência do matrimónio espiritual e das Sétimas Moradas (1572).


Mais tarde, já nos cumes da vida espiritual, esclarecida pelos conselhos dos confessores e teólogos, entre eles João da Cruz, a Santa apresenta uma versão depurada da experiência mística da ferida na 5ª Conta de Consciência (1576): «Outra maneira muito frequente de oração é uma espécie de ferida, em que parece à alma que lhe espetam uma seta no coração, e nela mesma. Isto causa-lhe uma dor itensa que a leva a queixar-se mas, ao mesmo tempo, tão saborosa que jamais queria que lhe faltasse. Essa dor não é nos sentidos, nem tão pouco a chaga é material, mas dá-se no mais íntimo da alma, sem que pareça dor corporal. E como não se pode dar a entender isto sem ser por comparações, deito mão destas que, sendo embora toscas, servem para me exprimir, porque de outra maneira não o sei dizer.» (17). No seu itinerário místico, atribui o último degrau à ferida de amor que «sai do íntimo da alma. Os efeitos deste amor são grandes.» (18). No livro do Castelo interior (1577), Teresa dedica uma extensa análise aos fenómenos extáticos nas Sextas Moradas. Do início ao fim dessas moradas, reserva um lugar especial às feridas de amor, que servem para purificar o espírito e prepará-lo para o encontro final.

segundo Diccionario Teresiano, Corazón, transverberación del,

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